Internacional| 07/12/2009 | Copyleft
O principal trunfo que o Brasil guarda e apresenta, apesar de todas as suas desigualdades permanecerem acentuadas, e seus problemas de segurança e outros temas que também estão na pauta, é o de ser nessa altura um país na contramão – que, na verdade, é a melhor mão da história: é um país cuja pobreza e/ou miséria está diminuindo a olhos vistos, ao contrário de outros onde, mesmo se ricos e melhor organizados, ela está aumentando (como é o caso de muitos países europeus, inclusive a Alemanha). O artigo é de Flávio Aguiar.
Flávio Aguiar
Cobertura compartilhada da viagem do Presidente Lula à Alemanha: Revista do Brasil/Rede Brasil Atual – Carta Maior.
Na sexta-feira, dia 4 de dezembro, a viagem do Presidente Lula e sua comitiva à Alemanha continuou com a visita a Hamburgo, no norte do país, quase fronteira com a Dinamarca.
A viagem de ida foi feita num trem-bala especial, que saiu de Berlim às 8h20 da manhã, ainda amanhecendo. O trem viajou a cerca de 230 km/h, e percorreu a distância em menos de uma hora e meia. O presidente e comitiva viajaram no vagão presidencial alemão, além de outros especiais, e nós, os jornalistas, tivemos um vagão à disposição, com direito a café, sucos e outros acepipes comestíveis. Tudo muito simpático, organizado pela Siemens, interessada em projetos ferroviários no Brasil, pelo governo alemão (responsável pela iniciativa), com colaboração da Rede Ferroviária Alemã, a Deutsche Bahn.
Durante a viagem o Presidente conversou com engenheiros, empresários e até com os maquinistas da locomotiva. Esse trem tem uma peculiaridade: tração não apenas na locomotiva, mas em todos os vagões.
Não sei se foi uma estratégia do Presidente, ou se a coisa aconteceu por acaso. O fato é que lá pelas tantas, faltando cerca de meia hora para chegarmos a Hamburgo, anunciou-se que ele viria até o vagão dos jornalistas para dar uma entrevista. Fizeram-se os arranjos rapidamente: um vagão de trem não é propriamente um estúdio, e deu trabalho para por as diversas câmeras e os diversos jornalistas em posição. Tudo pronto, houve alguns minutos de espera e... quem apareceu foi a Ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. Dilma tem acompanhado o Presidente (segundo suas próprias declarações) em suas viagens ao exterior sempre que a pauta envolve o PAC, de que ela é coordenadora, e era o caso nesta viagem, sobretudo em Hamburgo, como se verá. Mas também é fato que se pode ver que há uma estratégia concertada do Presidente em “expô-la” a diversas circunstâncias da política externa brasileira. A Ministra acompanhou ao vivo e em cores diversas das conversações do Presidente, por exemplo, com George Bush, Barack Obama, Sarkozy, Gordon Brown, Ângela Merkel, dentre outras.
Durante a entrevista, a Ministra explicou qual o interesse do Brasil naquela viagem específica, de Berlim a Hamburgo. É um plano ambicioso. Trata-se de criar e motivar uma concorrência para a construção de um trem de alta velocidade ligando Campinas – São Paulo – Rio de Janeiro. Os pontos principais da concorrência (que envolve outras empresas e outros países, como o Japão) são: 1) o custo da construção; 2) o custo final do transporte para o usuário; 3) transferência de tecnologia, que permita ao Brasil construir seu próprio sistema depois. Esse projeto, cuja concorrência será lançada em 2010, é o projeto piloto para a construção de outras redes, no sentido norte – sul e oeste – leste, além de interligações entre, por exemplo, Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, conforme depois foi exposto em Hamburgo. Devido a esse item 3), a motivação para a concorrência não é apenas internacional, pois implica também a formação de um conglomerado da iniciativa privada no Brasil, e de Institutos Tecnológicos com apoio na rede universitária. Em suma, é um plano ambicioso de “por o Brasil nos trilhos”, rearticulando a capacitação de rede ferroviária brasileira, desestimulada desde que, nos tempos da ditadura, se optou pelo transporte rodoviário, consumidor dos derivados do petróleo, também pelo estímulo ao uso “descontrolado” do automóvel como principal meio de transportes das classes médias e abastadas do país.
Esse plano também tem a ver com a posição do Brasil na conferência sobre o clima em Copenhague, que se desenvolve nesse momento na Dinamarca, como foi também exposto em Hamburgo, onde o Brasil está levando uma ousada proposta de redução de emissão de gás carbono na atmosfera.
Em Hamburgo houve um seminário organizado pela universidade local e pelas autoridades da cidade-estado (a Alemanha tem três cidades com status de estado: Hamburgo, Bremen e Berlim), na casa de governo (Rathaus). O alvo desse seminário era composto de empresários alemães, os brasileiros que acompanhavam a comitiva presidencial e outros, como jornalistas, acadêmicos especializados no Brasil, etc. Havia cerca de 600 pessoas presentes ao seminário. De quebra, a Universidade de Hamburgo concedeu ao Presidente o título de Doutor Honoris Causa, que, no entanto, ele disse que aceitaria receber oficialmente só depois de cumprir o seu mandato. Há também um movimento para criar um Centro ou Núcleo [academicamente a diferença é relevante] de Estudos Brasileiros na universidade.
Hamburgo foi um dos primeiros estados (naquele tempo não existia uma Alemanha) europeus fora do eixo Grã-Bretanha/Portugal/França a reconhecer a independência do Brasil e a fazer um acordo de cooperação econômica, isso em 1827, como lembrou o Presidente em sua fala.
O seminário consistiu em exposições, feitas por diversos ministros, sobre a “oportunidade-Brasil” como local de investimento. A iniciativa tem pano de frente um futuro promissor; mas seu pano de fundo é a diminuição que houve, em 2008/2009, dos investimentos/ano da Alemanha no Brasil, que, tendo chegado a 25 bilhões de dólares, caíram para 13,5. Em todo caso, o pano de frente promissor é o Brasil, e as exposições foram eloqüentes em bater nessa tecla.
É claro que, de todas as exposições, cujos temas passavam por indústria, comércio, serviços, Copa do Mundo, Jogos Olímpicos, as principais de mais comentadas foram as do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, da Ministra Dilma e a do Presidente. Pode-se dizer que o “alvo inspirador” das três foi a demonstração de que havia um forte conjunto de iniciativas por parte do governo no sentido de ampliar e consolidar o mercado interno, e que foi isto que ajudou o Brasil a se recuperar mais rapidamente do que o conjunto das outras economias diante da crise financeira que varreu o mundo a partir de 2007 e sobretudo a partir de setembro de 2008 com a quebra do Lehman Brothers. O Presidente atacou duramente a pregação neoliberal sobre as vantagens do “Estado Mínimo”, além de fazer um discurso eloqüente sobre o conceito de que o principal investimento que o governo tem a oferecer como garantia para o investidor internacional é o “esforço de capacitação” do próprio povo brasileiro, em temas que vão desde a capacidade econômica para o consumo até sua formação educacional, tecnológica, cultural e cidadã.
Lula foi muito aplaudido, diversas vezes, também ao retomar sua história de menino pobre, “filho de mãe que nasceu e morreu analfabeta”, no seu dizer pitoresco, que chegou à presidência, e que, por isso [ao contrário do que seus opositores gostam de apregoar], sabe o valor da educação e da formação em todos os seus níveis.
O principal trunfo que o Brasil guarda e apresenta, apesar de todas as suas desigualdades permanecerem acentuadas, e seus problemas de segurança e outros temas que também estão na pauta, é o de ser nessa altura um país na contramão – que, na verdade, é a melhor mão da história: é um país cuja pobreza e/ou miséria está diminuindo a olhos vistos, ao contrário de outros onde, mesmo se ricos e melhor organizados, ela está aumentando (como é o caso de muitos países europeus, inclusive a Alemanha).
Fica uma questão importante a considerar. Ficou claro nos discursos, sobretudo no do Presidente, que o carro-chefe (a expressão vem a calhar) da recuperação econômica pós-crise do Brasil foi ainda a indústria auto-motiva e automobilística. Para quem tem metas ambiciosas de redução de emissões de CO2, junto com o esforço de por o país “nos” e “sobre” trilhos, esse é um tema estratégico nada trivial, e que merece uma reflexão mais profunda no sentido de motivar, econômica, social, política e culturalmente, o transporte coletivo em larga escala e a construção mais eficaz e consistente do sentimento de solidariedade que isso implica. Mas de momento, pelo menos, o Brasil vai melhor, obrigado.
Para não esquecer: nessas andanças para lá e para cá, houve conversas também sobre a crise em Honduras e seus desenvolvimentos presentes e futuros. Mas isso fica para outros artigos.
Fotos: Flávio Aguiar
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