terça-feira, 13 de novembro de 2007

De Adib Jatene para Paulo Skaf: 'Tem que pagar!' (Blog do Josias)


Blogs da FolhaJosias de Souza - Nos bastidores do poder

13/11/2007

Marlene Bergamo/Folha
Pai da CPMF, o cardiologista Adib Jatene, ex-ministro da Saúde de FHC, guarda uma mágoa de Lula. Na época em que arregaçava as mangas para aprovar a CPMF no Congresso, no final de 1996, Jatene reuniu-se duas vezes com Lula, à época presidente do PT. Rogou para que o petismo não fechasse questão contra a criação do imposto do cheque, que seria integralmente destinado à Saúde.

A investida de Jatene resultou infrutífera. O então deputado Eduardo Jorge, único petista a votar a favor da CPMF, recebeu uma reprimenda do partido. Aprovada a nova “contribuição”, o ministério da Fazenda, gerido à época por Pedro Malan, tratou de apropriar-se de parte da arrecadação. Abespinhado, Jatene pediu as contas.

Hoje, o genitor da CPMF teria todas as razões para dar o troco a Lula. Porém, tornou-se um dos mais fervorosos defensores da renovação do tributo até o ano da graça de 2011. Insurge-se, sobretudo, contra os empresários. Acha que a plutocracia quer acabar com a CPMF porque o tributo, além de insonegável, tornou-se valiosa ferramenta de detecção de fraudes tributárias.

Num evento ocorrido em São Paulo, Jatene avistou-se com o presidente da Fiesp, Paulo Skaff, um dos mais destacados soldados do pelotão de “coveiros” da CPMF. “Tem que pagar”, disse. Os detalhes da conversa foram captados pela coluna de Mônica Bergamo. Encontram-se na Folha (só assinates). Seguem abaixo:

“Dedo em riste, falando alto, o cardiologista Adib Jatene, ‘pai’ da CPMF e um dos maiores defensores da contribuição, diz a Paulo Skaf, presidente da Fiesp e que defende o fim do imposto: ‘No dia em que a riqueza e a herança forem taxadas, nós concordamos com o fim da CPMF. Enquanto vocês não toparem, não concordamos. Os ricos não pagam imposto e por isso o Brasil é tão desigual. Têm que pagar! Os ricos têm que pagar para distribuir renda’.

Numa das rodas formadas no jantar beneficente para arrecadar fundos para o Incor, no restaurante A Figueira Rubaiyat, Skaf, cercado por médicos e políticos do PT que apóiam o imposto do cheque, tenta rebater: ‘Mas, doutor Jatene, a carga no Brasil é muito alta!’. E Jatene: ‘Não é, não! É baixa. Têm que pagar mais’. Skaf continua: ‘A CPMF foi criada para financiar a saúde e o governo tirou o dinheiro da saúde. O senhor não se sente enganado?’. E Jatene: ‘Eu, não! Por que vocês não combatem a Cofins (contribuição para financiamento da seguridade social), que tem alíquota de 9% e arrecada R$ 100 bilhões? A CPMF tem alíquiota de 0,38% e arrecada só R$ 30 bilhões’. Skaf diz: ‘A Cofins não está em pauta. O que está em discussão é a CPMF’. ‘É que a CPMF não dá para sonegar!’, diz Jatene.

Skaf circula. O deputado Adriano Diogo, do PT, levanta o dedo positivo para ele: ‘E aí, contente em detonar a saúde?’. Nova discussão. ‘Não adianta. São visões de mundo diferentes’, conforma-se o empresário. Em outra mesa, Tião Viana (PT-AC), presidente do Senado, diz que a votação da CPMF segue indefinida. ‘Está difícil para os dois lados.’


Cada um dos 400 convidados do jantar desembolsou R$ 250, com direito a saladas, tortellis e carnes preparadas pelo médico David Uip, por José Aristodemo Pinotti e por Paulo Renato Souza. Em meio aos comes e bebes, uma boa notícia: o BNDES negociou a dívida do Incor: de R$ 140 milhões, ela caiu para R$ 80 milhões. O governo de SP pagará R$ 40 milhões. O próprio Incor, os outros R$ 40 milhões, em dez anos. Uma das últimas ‘missões’ de David Uip, que deixará a presidência do Incor em dezembro, será a assinatura do acordo com o banco.”

Escrito por Josias de Souza às

Fonte: Blog do Josias

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domingo, 11 de novembro de 2007

Revolução de Outubro de 1917 - parte 1: um estranho golpe de Estado (Jan Krauze)

06/11/2007

O bonde está quase vazio. Um dos dois únicos passageiros, um homem baixo de cabelos grisalhos, com uma atadura em volta da cabeça e uma boina, fala com a condutora sobre a situação política. São cerca de 23h da noite de 6 para 7 de novembro de 1917 (24 para 25 de outubro, segundo o calendário russo da época) e o passageiro é Lênin.

O Comitê Central do Partido Bolchevique lhe pedira para ficar em uma discreta casa na periferia de Petrogrado, onde ele se esconde desde sua recente volta da Finlândia. Mas ele não suporta mais ficar longe da ação: está convencido de que o poder está ao alcance da mão, quer desencadear o golpe de Estado. Por isso ele recolocou sua peruca -continua sem barba, desde que Stálin a raspou, em julho. Ele e seu único guarda-costas, um bolchevique finlandês, são abordados por uma patrulha da polícia governamental, que os toma por bêbados e os deixa passar. Por volta de meia-noite, ele chega diante do Instituto Smolny, sede de todos os partidos revolucionários, e só consegue entrar graças a um empurrão: não tem salvo-conduto.

Assim que entra, ele se faz reconhecer e convoca imediatamente uma reunião do Comitê Central. Todos os chefes do partido estão lá. Em fevereiro, a revolução popular havia eclodido espontaneamente, surpreendendo os bolcheviques "profundamente adormecidos como as virgens loucas do Evangelho", para usar as palavras de um deles. Lênin estava em Zurique, Trótski em Nova York, Stálin na Sibéria. Desta vez eles estão no comando. Mas não há acordo entre eles. Há meses Kamenev repete que seria irresponsável tentar um golpe de Estado, enquanto a situação não está madura e a sociedade não está pronta. Lênin, há muito tempo quase isolado em sua opinião, afirma que há urgência de agir, e agir pela força. Mas dessa vez não há mais necessidade de martelar seus argumentos: o golpe de Estado já está a caminho, na verdade.
REVOLUÇÃO RUSSA
AFP/TASS
Lênin se dirige ao povo durante comemorações do primeiro ano após a Revolução Bolchevique
PARTE 2: A MARCA DE LÊNIN
PARTE 3: "TUDO É PERMITIDO"


Estranho golpe de Estado, de fato. Uma operação desse tipo supostamente apanharia todo mundo de surpresa: mas faz dias ou semanas que quase todo mundo fala sobre ele. Kerênski, o chefe do governo que saiu da revolução de fevereiro, chega a "rezar" para que ele aconteça, convencido de que será a oportunidade para esmagar definitivamente os bolcheviques. Os quais são tudo menos discretos: Trótski explica aos soldados da fortaleza Pedro-e-Paulo que "o governo, impotente, só espera uma vassourada da história". "Sim, houve uma insurreição", ele declara em 5 de novembro para um militante socialista revolucionário, "e os bolcheviques vão tomar o poder."

O jornal de Górki, "Novaïa Jizn", publicou em 30 de outubro uma entrevista de Kamenev que revela o projeto da insurreição armada -um bom meio, segundo ele, de torpedeá-lo. Em 6 de novembro, outro jornal, este menchevique, apresenta até um plano da insurreição.

Na situação incontrolável que prevalece em Petrogrado depois do fracasso do "putsch" do general Kornilov, a luta pelo poder já está amplamente em curso. Temendo ser enviadas ao front (os alemães se aproximam da capital), as tropas não obedecem mais às ordens do estado-maior. Desde 21 de outubro o Comitê Militar Revolucionário (CMR, que teoricamente emana do soviete de Petrogrado, mas na verdade é controlado pelos bolcheviques) afirmou sua autoridade sobre as tropas estacionadas na cidade.

É em nome do CMR que Trótski mandou pegar milhares de fuzis nos arsenais. Ainda em nome do CMR, ele vai à fortaleza Pedro-e-Paulo, onde já esteve encarcerado, e garante o apoio da guarnição. Sempre, teoricamente, para "defender" o soviete das intrigas da "contra-revolução, que revelou sua mente criminosa", como proclamam cartazes afixados em 6 de novembro nos muros de Petrogrado. No mesmo dia, Dzerjinski, o futuro chefe da Tcheka, o braço-armado do poder, se apodera da central telefônica e telegráfica do governo, depois do correio central. Kerênski bem que tentou reagir, mandar prender os dirigentes bolcheviques, mas suas ordens foram interceptadas. Ele mandou levantar as pontes do rio Neva para cortar a cidade e impedir o avanço dos rebeldes. Mas os bolcheviques conseguiram que elas fossem novamente abaixadas. O próprio chefe do governo afirmou ao embaixador da França, Joseph Noulens, que várias divisões fiéis estavam marchando para Petrogrado, sem realmente tranqüilizar o diplomata, habituado a suas fanfarronices.

As coisas andam depressa, mas não o suficiente para o gosto de Lênin, que tem uma obsessão: terminar antes da reunião do Congresso dos Sovietes, prevista para a tarde de 7 de novembro. Ele quer que os delegados sejam postos diante do fato consumado, que se tome o Palácio de Inverno, sede do governo, que se prendam os ministros. Lênin, "como um leão enjaulado, gritava, urrava, estava pronto para nos mandar fuzilar", contaria um militante bolchevique. Desde a manhã de 25 de outubro, ele lançou uma proclamação "a todos os cidadãos da Rússia: o governo provisório está destituído", "o poder passou ao Comitê Militar Revolucionário, que é a cabeça do proletariado e da guarnição de Petrogrado". O "Rabotchi Pout", jornal dirigido por Stálin, já deu a manchete sobre a vitória...

Na realidade, nada está decidido. Kerênski acaba de deixar Petrogrado para buscar tropas pessoalmente. O governo ainda se mantém, apesar dos últimos atos bolcheviques, mas é fracamente protegido por algumas centenas de cadetes (os "junkers") e um batalhão de mulheres, e foi abandonado pelos cossacos. Os 300 deputados da Duma (Parlamento) municipal chegaram a avançar em coluna, cada um armado de um pão e um salame para os defensores do Palácio de Inverno. Eles foram instados a regressar e obedeceram. O ministro do Abastecimento, que conduzia a coluna, considerou que "não teria sido uma dignidade ser mortos na rua".

Os bolcheviques previram que o sinal de ataque contra o Palácio de Inverno deveria ser dado por um lampião vermelho içado no mastro da fortaleza Pedro-e-Paulo. Perde-se um tempo considerável para se encontrar um lampião. Às 21h40 a luz vermelha afinal se acende, imediatamente seguida, como previsto, por uma enorme detonação: um único tiro, disparado do cruzador Aurora, atracado nas proximidades.

O assalto que se segue imediatamente ao Palácio de Inverno pertence ao mito, veiculado por "Outubro", o filme de Eisenstein: uma população em armas que se atira contra o antigo palácio do czar. Na verdade, o caso foi rapidamente resolvido e envolveu um número muito pequeno de combatentes. O batalhão feminino se rendeu rapidamente e os junkers, pouco numerosos para defender o enorme edifício, foram rapidamente expulsos. Às 2h da manhã tudo está terminado, os ministros do governo se deixam levar à fortaleza Pedro-e-Paulo.

A maioria dos habitantes da cidade nada percebeu. Os bondes continuaram circulando, o ilustre Chaliapin cantou "Don Carlos" na Casa do Povo, e John Reed, o jornalista americano autor de "Dez Dias que Abalaram o Mundo", jantou tranqüilamente no Hotel de France, bem perto da praça do palácio.

No Instituto Smolny, o antigo pensionato para moças da nobreza onde se amontoam os delegados esmagados pelo cansaço, em um forte odor de tabaco e urina, o Congresso dos Sovietes acabou de começar, pouco depois das 22h. Os mencheviques e os socialistas revolucionários, para protestar contra o golpe de força, essa "aventura criminosa", deixam a sala sob as vaias dos bolcheviques. O lugar fica livre para a célebre peroração de Trótski, que, segundo John Reed, levanta-se, com "o rosto pálido, a expressão cruel e, com uma frieza de desprezo", recusa qualquer compromisso com os outros partidos revolucionários e os insulta: "Vocês são uns coitados, uns fracassados. Seu papel terminou. Vão para seu lugar, no lixo da história".

O tom está dado. Algumas horas mais tarde, o mesmo congresso vota três decretos redigidos por Lênin: um dá "todo o poder ao sovietes" (slogan puramente tático, o dirigente bolchevique tem apenas desprezo por esses "moinhos de palavras"), o outro proclama a vontade de pôr fim à guerra, o terceiro, o princípio da "terra para os camponeses".

Nesse momento, o Palácio de Inverno, que caiu há muito tempo, vê uma multidão entusiástica se comprimir nele: foram descobertas as adegas do palácio, toma-se Château Yquem e vodca. A bebedeira dura vários dias e quando, para terminá-la, se manda jogar o vinho na rua, os passantes começam a beber nas sarjetas. Em Petrogrado, os últimos pontos de resistência são reduzidos. O jornalista francês Claude Anet vê os guardas vermelhos tomarem as escolas de oficiais, uma após a outra. "Eles se apoderam dos pequenos junkers brancos e rosa, tão limpos, tão cuidados, filhos de burgueses lavados e engomados que ainda aprendem a arte da guerra, e os massacram."

Kerênski, que só conseguiu reunir algumas tropas, é incapaz de fazê-las avançar para Petrogrado. Em Moscou a resistência aos bolcheviques é muito mais forte e sangrenta, mas finalmente também é inútil. "Se o partido tomar o poder, ninguém mais poderá expulsá-lo", escreveu Lênin em setembro de 1917. Ele estava errado, mas só se saberia disso depois de 74 anos de regime soviético.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Fonte: Notícias Uol

Revolução de Outubro de 1917 - parte 2: a marca de Lênin (Jan Krauze)


07/11/2007

"Maculada de sangue e de lama, a velha carroça da monarquia dos Romanov tombou logo no primeiro golpe". Aquilo que Lênin dizia da Revolução de Fevereiro, que havia derrubado o antigo regime imperial, poderia ser dito da mesma forma da Revolução de Outubro. A "carroça" da jovem democracia russa, por sua vez, também tombou, bastando para tanto um simples empurrão com o ombro, por parte do partido bolchevique.

Tanto num caso como no outro, é possível encontrar múltiplas explicações, mas, a mais importante, que pesa infinitamente mais do que todas as outras, é a guerra. A terrível sangria dos três primeiros anos da Primeira Guerra Mundial (2,5 milhões de soldados mortos) havia minado o czarismo e revelado a incapacidade das suas elites. E foi o prosseguimento da guerra, depois da imensa esperança suscitada pela Revolução de Fevereiro, que condenou os "democratas" russos. No espaço de alguns meses, eles tiveram todo o tempo necessário para fazer a demonstração das suas fraquezas frente a homens decididos a praticar a política do pior.

Caso eles tivessem tido a vontade de proceder dessa forma, não há certeza alguma de que Kerênski e os outros membros do governo provisório teriam tido condições de retirar a Rússia do primeiro conflito mundial. Os aliados ocidentais exerciam então uma pressão considerável, enquanto a sociedade russa talvez não estivesse preparada para aceitar uma derrota. O fato é que eles deram prosseguimento ao esforço de guerra, e que eles decidiram até mesmo empreender, em junho de 1917, uma vasta ofensiva que não demorou a se transformar numa catástrofe. Esta foi quase que imediatamente seguida pelos motins de julho, desencadeados espontaneamente por soldados que se recusavam a serem enviados para o massacre. Os bolcheviques se contentaram, então, de subir no bonde que estava andando, não sem hesitação.
REVOLUÇÃO RUSSA
AFP/TASS
Lênin se dirige ao povo durante comemorações do primeiro ano após a Revolução Bolchevique
PARTE 1: GOLPE DE ESTADO
PARTE 3: "TUDO É PERMITIDO"


Esses levantes foram reprimidos pelo governo provisório, mas o processo de decomposição da autoridade sobre um exército essencialmente composto por camponeses, e que a partir dali se alastrou por toda a sociedade, não chegou a ser interrompido. Motins, massacres de oficiais, deserções em massa se multiplicaram no decorrer do verão e do outono de 1917. Em outubro, foram novamente os soldados e os marinheiros, muito mais do que os operários, que atuaram ao mesmo tempo como os atores e como os instrumentos da insurreição bolchevique.

Ao longo dos oito meses que separaram as duas "revoluções", o poder foi controlado por um governo que se apoiava em coalizões heterogêneas, nas quais democratas sinceros, porém neófitos, coabitavam com uma direita antes contra-revolucionária. Para fazer frente a uma situação extraordinariamente difícil, a um exército em processo de desagregação, a uma produção industrial em queda livre, a condições de abastecimento deploráveis, à violência e à anarquia que se alastravam pelo mundo rural, os responsáveis da nova democracia russa deveriam ter dado mostras de um talento e de um estofo fora do comum.

Em vez disso, eles se perderam, até mesmo nos momentos mais decisivos, em discussões intermináveis e em discursos (Kerênski era, assim como Trótski, um excelente orador, que acabou acreditando um pouco em demasia nas virtudes do seu próprio verbo). Mesmo quando eles recorreram à força, eles o fizeram com certa contenção, sem se aproveitarem da sua vitória. Depois do fracasso dos levantes de julho, Lênin havia confessado a Trótski: "Agora, eles vão fuzilar todos nós; este é o momento propício para eles". Ele mesmo teria procedido desta forma, sem dúvida alguma, mas não Kerênski. Este se limitou a mandar prender alguns dirigentes bolcheviques (Lênin tivera tempo necessário para se refugiar na Finlândia), que ele mandou libertar dois meses mais tarde, em setembro de 1917.

"As suas mãos tremiam", conforme Trótski resumiria mais tarde. Até mesmo os socialistas revolucionários (SR), então muito mais populares do que os bolcheviques, principalmente nas regiões rurais, e que no passado haviam se especializado nos métodos terroristas, tinham se convertido ao legalismo. Neste contexto, tanto Tchernov, o chefe dos SR, quanto Martov, o chefe da facção mais esquerdista do partido menchevique - o "Hamlet do socialismo democrático", segundo Trótski -, alimentavam hesitações de intelectuais e uma recém adquirida preocupação de respeitabilidade.

Do outro lado, havia bolcheviques desembaraçados de quaisquer dúvidas existenciais, determinados a utilizar a revolução para impor o seu poder. Nem todos, a bem da verdade, estavam na mesma sintonia. Kamenev, por exemplo, não teve idéia melhor, no mesmo dia do golpe de Estado bolchevique, que a de fazer votar a abolição da pena de morte pelo soviete (conselho regional) de Petrogrado, o que suscitou comentários sarcásticos de Lênin... Este último sabia exatamente o que ele queria. Este "iluminado que trabalhava no escuro" (a fórmula, mais uma vez, é de Trótski) não tinha outro objetivo a não ser incentivar a confrontação, a violência. Durante as semanas que antecederam o golpe de Estado, ainda refugiado na Finlândia, ele escrevia cartas e mais cartas para os dirigentes bolcheviques, manejando o insulto e a ameaça, para intimá-los a agir; a tal ponto que algumas das suas missivas foram censuradas, e até mesmo queimadas pelos seus camaradas.

Lênin tinha então 47 anos. A sua aparência física não era verdadeiramente aquela do revolucionário de cara quadrada que seria vista mais tarde em retratos estilizados, exibidos em todas as cidades da URSS. Aliás, o jornalista francês Claude Anet descreve a sua aparência nos seguintes termos: "Um homem bem cuidado, que usa roupa branca, trajes bem cortados; ele tem a nuca gorda de um burguês; a aparência de um tabelião de província do Segundo Império, falso e sorridente..." O mesmo Anet, dividido entre a repulsa que lhe inspiram os métodos dos "maximalistas" (conforme eram designados os bolcheviques na imprensa francesa, na época) e certa admiração pela sua eficiência, faz ironia a respeito deste "demagogo infalível", que sabe tudo e tem resposta para tudo: "Dê uma folha de papel para Lênin, um lápis, e, num piscar de olhos, ele lhe fornecerá a solução exata para todos os problemas sociais. Que homem feliz! E pensar que ele vivia como um sujeito obscuro, em algum canto da Suíça, e que o mundo ignorava o seu salvador!".

Salvador do mundo, isso será para mais tarde, quando o culto aparecerá. Depois de um atentado fracassado contra ele, um propagandista afirmará em setembro de 1918: "Lênin de modo algum poderia ser morto, porque ele é a ressurreição dos oprimidos". Enquanto isso, ele é, sobretudo, um destruidor encarniçado do antigo mundo. Para ele, a revolução não pode ser de outra forma, a não ser violenta, e é indispensável que ela assim seja.

Já em setembro de 1917, enquanto ele ainda se encontra em Vyborg, na Finlândia, e nada pode fazer senão enviar cartas furiosas para os seus camaradas de Petrogrado, ele exalta a futura guerra civil, "a forma mais aguda da luta das classes", e "os rios de sangue" que proporcionarão ao partido "uma vitória certa". Tanto antes como depois do golpe de Estado, ele não se cansa de aporrinhar os bolcheviques, de incentivá-los a esmagar ou a matar todos aqueles que poderiam opor-se a eles, de lembrar-lhes de que o Estado proletário é "um sistema de violência organizada".

É num texto de autoria de Lênin, redigido em dezembro de 1918, que se pode ler um apelo para "livrar a terra russa de todos os insetos daninhos". "Aqui serão mandados para a prisão uma dúzia de ricos, uma dúzia de escroques, uma meia dúzia de operários que relutam a trabalhar. (...) Em outros lugares, eles terão que exibir um cartão amarelo, de modo que o povo inteiro possa vigiar essas pessoas perversas. (...) Ou ainda, será fuzilado no mesmo local um indivíduo em cada dez culpados de parasitismo". O texto é lindamente intitulado "Como organizar a competição".

Lênin tem como única obsessão excitar o ódio, e, neste anseio, a sua linguagem logo alcança ápices insuperáveis. Quer ele declare a "guerra até a morte aos ricos"; quer ele incentive o "terror de massa" depois das greves dos operários contra os bolcheviques, em junho de 1918; quer ele ordene, logo no verão de 1918, a "guerra implacável contra os cúlaques" (camponeses ricos), que ele qualifica alternadamente de "vampiros, aranhas, sanguessugas", ou contra o clero, ele sempre se refere à morte, ao extermínio. É também ele que, mais discretamente, determina as cotas de pessoas que devem ser liquidadas, por região e por categoria; é ele mesmo quem acrescenta nos seus telegramas a menção "a fuzilar". O estilo, é claro, atrai seguidores e, em setembro de 1918, o jornal "Krasnaïa Zvezda" conclama a "matar os inimigos aos milhares, e a afogá-los no seu próprio sangue", "mais sangue, a maior quantidade de sangue possível".

Estranhamente, este fanatismo não o impedia de dar mostras, em inúmeras circunstâncias, de uma grande habilidade tática, de um excepcional talento político. Do seu ponto de vista, ele estava certo ao pressionar os bolcheviques a agirem no outono de 1917: Kerênski, que havia empenhado toda a sua energia em debelar o putsch do general Kornilov - concebido inicialmente como uma ação militar destinada a dar apoio ao governo - estava extraordinariamente enfraquecido, e, com isso, o poder só precisava ser colhido.

Da mesma forma, o fato de proclamar "todo o poder para os sovietes" permitia dissimular por certo tempo as reais intenções dos bolcheviques. Além disso, o fato de decretar que a terra pertencia aos camponeses, nada mais fazia do que sacramentar uma situação de fato (nas regiões rurais, no decorrer de todo o ano de 1917, os camponeses já haviam amplamente dividido entre si os domínios dos proprietários). E ainda, ao reconhecer, ao menos em palavras, a livre determinação dos povos da Rússia, ao afirmar a sua vontade de pôr fim à guerra, Lênin, com tudo isso, correspondia amplamente às expectativas daquele momento: nada impediria, mais tarde, de torcer o pescoço de todos esses nobres princípios.

Tradução: Jean-Yves de Neufville


http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2007/11/07/ult580u2752.jhtm

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Revolução de Outubro de 1917 - parte 3: "tudo é permitido"


08/11/2007

Jan Krauze

Sozinho, o Partido Bolchevique teria sido totalmente incapaz de conquistar o poder. Os sovietes (conselhos regionais), que minavam a autoridade do governo provisório; os soldados amotinados e os operários de Petrogrado; os desertores, os camponeses que por iniciativa própria haviam se apoderado das terras, e até mesmo a pequena burguesia dos intelectuais da qual eram originários praticamente todos os militantes revolucionários, todos eles, à sua maneira, haviam solapado o regime "democrático" nascido da Revolução de Fevereiro. Foi precisamente contra todas essas categorias sociais que os bolcheviques, imediatamente após terem se resignado aos comandos, se voltaram, movidos por uma brutalidade fora do comum.

A liquidação da oposição propriamente política, integrada por aqueles que ainda acreditavam nos princípios fundamentados no lema "todo o poder para os sovietes", foi despachada tão fácil quanto rapidamente. Logo em 8 de novembro, um dia depois do golpe de Estado, todos os principais jornais não bolcheviques de Petrogrado são fechados. As eleições para a Assembléia constituinte, organizadas em novembro e dezembro de 1917, mostram que o partido de Lênin é muito minoritário no país: a própria Assembléia, que foi aberta de maneira apenas formal em janeiro de 1918, é imediatamente dissolvida. Três dias mais tarde, uma manifestação de protesto é desmantelada a tiros de metralhadoras, o que resulta numa dezena de mortos: é a primeira vez desde o desmoronamento do czarismo que forças representando o poder disparam contra uma multidão desarmada.

Dos antigos partidos revolucionários, somente os socialistas revolucionários considerados como de esquerda permanecem associados durante alguns meses ao poder, mas apenas de maneira formal. Em fevereiro de 1918, um dos seus membros, um comissário para assuntos de justiça, chocado por um decreto de Lênin que conclamava a "executar imediatamente todos os aproveitadores, arruaceiros e contra-revolucionários", argumenta que seria mais adequado chamar o seu ministério de "comissariado para o extermínio". Ele vê então o rosto de Lênin se iluminar, e ouve o chefe bolchevique lhe responder: "É exatamente isso, mas nós não podemos dizê-lo abertamente"...
REVOLUÇÃO RUSSA
AFP/TASS
Lênin se dirige ao povo durante comemorações do primeiro ano após a Revolução Bolchevique
PARTE 1: O GOLPE DE ESTADO
PARTE 2: A MARCA DE LÊNIN


Em relação aos operários, o caso revela-se um pouco mais demorado para ser solucionado. Nas usinas seduzidas pela tentação da autogestão, mas que Lênin colocou sob a autoridade do Estado, o poder aquisitivo dos operários está em queda livre, enquanto o abastecimento é catastrófico. As greves se multiplicam. Logo no mês de maio, as forças da repressão atiram contra uma multidão de operários num subúrbio de Petrogrado, enquanto uma ameaça de greve geral é debelada em junho - quando dezenas de líderes são executadas. Em breve, por toda a Rússia, a resistência dos operários que recusam o trabalho forçado aos domingos protestam contra um racionamento que impõe a fome, ou que simplesmente repelem o terror é aniquilada por meio da força.

Em março de 1919, 10.000 operários das usinas Poutilov se reúnem para denunciar "a ditadura do comitê central e da Tcheka", referindo-se ao serviço secreto criado em 20 de dezembro de 1917, sob a autoridade de Félix Dzerjinski, para combater os inimigos do regime bolchevique. A usina é tomada à força e 200 operários são mortos, fuzilados por um pelotão de execução. No Sul, em Astrakhan, um regimento de infantaria recusa-se a atirar contra uma manifestação de operários. Então, a Tcheka, enfurecida, perde o controle dos seus atos e afoga entre 2.000 e 4.000 operários e soldados recalcitrantes.

No início de 1920, um editorial do "Pravda" afirma que "o melhor lugar para um grevista, aquele pernilongo amarelo e nocivo, é o campo de concentração". Lênin se mostra ainda mais radical ao exigir "execuções maciças" de modo a debelar uma greve de ferroviários. A militarização da economia, que é o cavalo de batalha de Trótski, torna toda greve assimilável a uma traição. A situação alcança extremos dificilmente imagináveis, como a execução de reféns - operários - se as cotas de produção que foram fixadas para a usina não tiverem sido cumpridas.

A prática de fazer reféns torna-se uma das constantes deste período revolucionário. Milhares de pessoas são presas como reféns, nas famílias dos grevistas, naquelas dos desertores ou simplesmente em meio às classes sociais consideradas como nocivas. Os jornais da Tcheka, a qual instituiu uma comissão extraordinária encarregada da repressão sob as ordens de Dzerjinski, publicam com satisfação, estatísticas a respeito do número de reféns que foram fuzilados ou enforcados - 40 aqui, 150 acolá...

Em nenhum outro lugar, contudo, os massacres alcançam proporções tão importantes como no campo. Já em 1918, e pelo menos até 1922, a prática generalizada das requisições de colheitas - das quais as exigências não raro revelam-se acima da produção efetiva - provoca centenas de revoltas. Elas são reprimidas por todos os meios - torturas, execuções, aldeias incendiadas, e até mesmo intoxicadas por gás letal - e, sobretudo, pela fome, tão extrema que ela conduz, principalmente na região do rio Volga, ao surgimento, numa escala até que bastante importante, do canibalismo - quando indivíduos desesperados chegam a ponto de comer os seus próprios filhos.

É a disseminação dessas revoltas de camponeses, e daquelas dos cossacos, considerados como uma classe que precisa ser liquidada, que explica numa ampla proporção a progressão muito rápida dos exércitos brancos, na Rússia meridional e na Ucrânia, em 1919, apesar da fortíssima superioridade numérica do Exército vermelho. Mas os Brancos, da mesma forma, também praticam o terror e tomam reféns. Acima de tudo, eles não se conformam com a situação e não admitem a realidade da partilha das terras. Assustados pela perspectiva de um retorno do antigo regime, e, junto com ele, dos antigos proprietários, os camponeses se afastam deles. Depois de uma série de retiradas e de avanços espetaculares, acompanhados por toda parte de massacres e de atrocidades sem equivalentes, os Vermelhos acabam levando a melhor.

A extraordinária violência que ensangüenta a Rússia está em conformidade com a vontade explícita dos dirigentes bolcheviques. Tendo em Lênin o seu mais feroz partidário, eles se dedicaram incansavelmente não apenas a incentivá-la como também a exaltá-la, com uma espécie de lirismo sádico. Mas esta violência sempre se mostrou muito presente no tecido social russo. No decorrer de séculos, uma aristocracia minoritária impôs uma dominação esmagadora à massa dos camponeses. Com a guerra, e depois com a revolução, todas as formas de contenção foram detonadas, o que fez com que a violência se alastrasse por todos os lados, sob todas as formas, da revanche social até o puro banditismo.

Logo em 1918, o general Denikin, que mais tarde iria se tornar um dos chefes dos Brancos, e que percorre então incógnito a Rússia de trem, é assombrado pelo "ódio sem fim" que ele percebe por todo lugar, "um ódio acumulado no decorrer dos séculos, a amargura daqueles anos de furor e a histeria engendrada pelos chefes revolucionários". É este ódio que os bolcheviques incentivam em seu proveito. Segundo afirma Dzerjinski, estes "não existem para outra coisa, a não ser canalizar e dirigir o desejo legítimo de vingança dos oprimidos".

Com a ressalva que, na realidade, evidentemente, trata-se de proteger uma ditadura, e que esta maneira de "canalizar" o ódio dá margem aos excessos mais ignóbeis. A Tcheka conta rapidamente em suas fileiras uma quantidade muito maior de criminosos perversos que de revolucionários inflexíveis. Eles torturam, roubam, prendem de maneira arbitrária, transformam as sedes dos seus comitês em "imensos bordéis para onde eles levam as burguesas", se dedicam a matanças em massa, "embriagados pela violência e pelo sangue", para retomar as palavras utilizadas na época por inspetores do partido. Afinal, por que não, já que, conforme explica um artigo publicado pelo "Gládio Vermelho", um jornal da Tcheka de Kiev, "para nós, tudo é permitido"?

O "trabalho" da Tcheka toma proporções tão desmedidas que os seus chefes são rapidamente estafados. Já em outubro de 1918, Dzerjinski é enviado discretamente para recuperar a sua saúde na pacífica Suíça. Este episódio, aliás, revela um traço pouco conhecido daqueles primeiros tempos de instauração do regime: as suas elites adotam sem demora um modo de vida que não tem absolutamente nada a ver com aquele das "massas", às voltas com a miséria mais negra. Lênin, Stálin e Trótski, entre outros, possuem os seus próprios lares, com suíte anexo para empregados. Trótski reservou para ele aquele do príncipe Ioussupov. Dentro do famoso trem blindado no qual, durante a guerra civil, ele percorre a Rússia para reanimar o moral das tropas, ele dispõe de uma mobília requintada e de uma cozinha do mais alto padrão.

Em Petrogrado, Zinoviev, onde quer que ele vá, é seguido por um cortejo formado por dezenas de prostitutas. "Apenas os comissários levam uma vida agradável pelos tempos que correm", escreve Máximo Gorki à sua mulher em 1919. "Eles roubam tudo o que for possível, com o único objetivo de pagar as suas cortesãs e os luxos muito pouco socialistas". De maneira mais humilde, os operários de uma usina de Perm solicitam, numa resolução, que "as jaquetas e os bonés de couro dos comissários sejam utilizados para fabricar sapatos para os operários"... Estes anos vêem proliferar uma classe muito vasta de burocratas, privilegiados pelo regime: em 1921, as usinas Poutilov não contavam mais do que 2.000 operários para 5.000 burocratas e executivos. É nesta burocracia que o regime soviético encontrará, no decorrer das décadas futuras, o seu mais fiel apoio.

O ano de 1921 constitui justamente, e provisoriamente, o fim do período extremista do regime. As revoltas de camponeses se multiplicam. As tripulações de dois encouraçados baseados em Kronstadt amotinam-se em março. Nos dois casos, o problema é solucionado por meio de canhões e de metralhadoras, mas Lênin conclui disso que ele foi longe demais, e impõe um limite às requisições, antes de permitir que o país recupere um pouco do seu fôlego ao implantar a Nova Política Econômica.

Antes de serem liquidados, os marinheiros de Kronstadt tiveram tempo para assinar uma proclamação, uma espécie de epitáfio da Revolução de Outubro: "Aos protestos dos camponeses, que se manifestam por meio de levantes espontâneos, e àqueles dos operários (...), os usurpadores comunistas responderam com execuções em massa e um banho de sangue, superando até mesmo os generais czaristas. A Rússia dos trabalhadores, a primeira a ter erguido a bandeira vermelha da liberação, está afogada no sangue".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

Fonte: Notícias Uol

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2007/11/08/ult580u2755.jhtm

domingo, 4 de novembro de 2007

O percentual do PIB, destinado aos programas sociais, aumentou cem vezes, entre 1995 2005


Gastos do governo federal com programas sociais - incluindo o Bolsa-Família e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - que, em 1995, eram de 0,08% do PIB, já representavam 0,83% em 2005.

(Estado de São Paulo - Sinopse Radiobrás)


Entre 2003/06, o número de famílias acampadas caiu de 59.082 para 10.259, enquanto as casas atendidas pelo Bolsa Família foram de 3,6 mi para 10,9 mi.


"É melhor garantir esse dinheirinho", diz Evanilson Pereira, que invadiu sítio em Caruaru (PE) em 2004.

(Folha de São Paulo - Sinopse Radiobrás)


Comentário do Blog:


Verifica-se que os investimentos no Bolsa Família, além das vantagenn assáz apregoadas, ainda tem o mérito de reduzir o número de famílias acampadas.


O Governo atual multiplicou por 100 os gastos com programas sociais, em relação ao dispendido pelo governo anterior, o que, na realidade, poderíamos chamar de verdadeiro investimento, principalmente, nas crianças brasileiras.


É de se destacar que, neste levantamento, não foram considerados os aumentos, possivelmente, realizados nos anos de 2006 e 2007.


Melhor resultado teríamos, se prefeitos corruptos não distribuíssem estes recursos, enviados pelo Governo Federal, aos seus apaniguados, em detrimento daqueles que realmente necessitam.


Imaginem se, em 2008, 2009 e 2010 estes investimentos continuarem aumentando e a comunidade ajudar a fiscalizar a sua distribuição!