segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Caixas de preciosos tesouros - Arnaldo DeSouteiro

George Shearing e Art Van Damme estão entre os artistas focalizados


Em meio a maior crise na história da indústria fonográfica, o jazz resiste bravamente graças a um público fiel, de alto poder aquisitivo, que não se contenta em comprar músicas pela internet nem acha a menor graça em passar horas fazendo downloads ilegais com a terrível qualidade de som do formato mp3. Apostando neste tipo de consumidor exigente e sofisticado, a Universal coloca no mercado luxuosas caixas apinhadas de preciosos tesouros sonoros: retrospectivas de George Shearing, Art Van Damme e Monty Alexander em suas fases na MPS Records. Todas trazendo detalhados livretos com reproduções das capas originais, fotos raras, textos minuciosos e ficha técnica completa.
Irresistível tentação

A caixa de George Shearing, por exemplo, é uma tentação irresistível para os colecionadores. Batizada “The MPS trio sessions” reúne, em quatro CDs, cinco álbuns completos. Com um significativo detalhe: um deles inteiramente inédito! Todos produzidos na Alemnha (no estúdio da MPS) pelo fundador da empresa, Hans Georg Brunner-Schwer, trazendo o pianista inglês ao lado do baixista dinamarquês Niels-Henning Orsted Pedersen (falecido em 2005, aos 58 anos) e do guitarrista irlandês Louis Stewart; sem bateria, seguindo o formato preferido de Nat “King” Cole. Dispostas em ordem cronológica, as dezenove faixas iniciais foram gravadas em junho de 1977 e divididas em dois LPs. Ambos utilizando temas de Chick Corea como faixas-títulos.

O primeiro, “Windows” (lançado em 78), começa com “Tricotism” (Oscar Pettiford) e termina com o estilizado “Cowboy samba” (de Pedersen), passando por “Tune up”, de Miles Davis. Alcançando o máximo de expressividade emocional nas baladas, Shearing brilha em “Lazy afternoon” (regravada recentemente por Danilo Perez), “Some other spring” e “The Lamp is low”, adaptada da “Pavane” de Ravel. O segundo disco, “500 miles high” (79), que chegou a ser editado em vinil no Brasil, via Copacabana, repete o ecletismo no cardápio: vai de suingados hinos do bebop (“Cheryl”, de Charlie Parker, “Jordu”, de Duke Jordan) às sutilezas de “Here’s that rainy day” e “Invitation”, além do tema-título que se tornou um clássico do estilo fusion ao ser lançado no álbum “Light as a feather”, do Return to Forever.
Requinte e sutileza

Na seqüência, temos sete faixas até então inéditas, preparadas em 1979 para um álbum que chegou a ser batizado “Feeling happy”, mas nunca chegou às lojas e foi agora descoberto pelo produtor Matthias Kunnecke. Destaques: “In your own sweet way” (do meu querido amigo Dave Brubeck), “Alice in wonderland” (coincidentemente também gravada por Brubeck no LP “1975: The duets” com Paul Desmond) e a charmosíssima “The fourth deuce”, do próprio Shearing. Entre as nove músicas do álbum “Getting in the swing of things”, lançado em 1980, figuram “Sweet and lovely”, “Poinciana” (imortalizada por outro estilista incomparável, Ahmad Jamal) e “Sweet Lorraine”.

As últimas nove faixas pertencem ao projeto “On traget”, iniciado em setembro de 79 e completado em novembro de 1980, quando o fabuloso arranjador Robert Farnon, canadense radicado na Inglaterra, adicionou suntuosas orquestrações (a la Claus Ogerman) a temas como “Portrait of Jennie”, “Last night when we were young”, “This is all I ask” e “A nightingale sang in Berkeley Square”. Um dos melhores e mais sofisticados álbuns na carreira de Sir George Shearing, cujo ápice de popularidade ocorreu nos anos 50, com o estouro comercial de seu quinteto.
Sonoridade inconfundível

Outro mestre a se firmar naquela mesma década, com uma sonoridade igualmente inconfundível que descobri na infância, na coleção de LPs de 10 polegadas de meu pai, Art Van Damme também gravou posteriormente para a MPS. Os cinco CDs da caixa “Swinging the accordion on MPS” recuperam nada menos que dez álbuns captados entre 1966 e 1970, totalizando 119 faixas. O maior acordeonista na história do jazz – ainda hoje em plena atividade, assim como Shearing – se esbalda em “That old black magic”, “Robbins nest”, “Topsy” e “Tangerine”, alguns dos temas escolhidos para “Art Van Damme in San Francisco”, seu disco de estréia na companhia, gravado na Califórnia. Todos os álbuns seguintes, porém, foram registrados na Alemanha, a começar por “Ecstasy”, mantendo a formação de quinteto.

Van Damme levou seu guitarrista Freddy Rundquist (sueco radicado nos EUA) e eles se entrosaram perfeitamente com o vibrafonista Heribert Thusek, o baixista Peter Witte e o excepcional batera suíço Charly Antolini, que participaram de cinco discos. Vale a pena observar tal encaixe em faixas como “It could happen to you”, “Autumn in New York”, “Cute” (do recém-falecido Neal Hefti), “Speak low”, “I got rhythm”, “Cherokee”, “Watch what happens” e a bossa extemporânea “Wave”, de Tom Jobim. Aliás, vale frisar que Art Van Damme foi o responsável pela febre do acordeon que tomou conta do Brasil nos anos 50, inspirando dezenas de futuros bossanovistas (inclusive Marcos Valle, Edu Lobo e Eumir Deodato) a estudar o instrumento nas academias de Mario Mascarenhas.
Saxes & flautas

Nas doze faixas de “Art and four brothers” (69), um quarteto de saxofones foi adicionado a partir da inspiração do histórico tema “Four brothers”, escrito por Jimmy Giuffre, em 1947, para a banda de Woody Herman. Mas o cardápio não se limitou àquele período, oscilando entre o pop rasteiro de “Sunny” e da xaroposa “Love is blue”, o jazz refinado de “Snowfall” e “Lush life”, e até “O Barquinho” de Menescal. No projeto seguinte, “Squeezing Art & tender flutes”, os saxes foram trocados por um quarteto de flautas, e o repertório recuperou a compostura, com bonitos arranjos de Christian Schmitz-Steinberg para temas de Mancini (“Cheers”), Ogerman (“How will I forget”), Berlin (“The best thing for you”), Gershwin (“A foggy day”) e Harry Warren (“I only have eyes for you”).

Por fim, os discos “Keep going” e “Blue world”, frutos de quatro sessões em 1970, contaram com o baixista Eberhard Weber, o batera Kenny Clare, o vibrafonista Heribert Thusek e o genial guitarrista Joe Pass, levado à Alemanha por Van Damme, para surpresa e deleite dos dirigentes da MPS. Na prática, o resultado desta união pode ser avaliado em 24 faixas. Entre elas, “Tenderly”, “Gone with the wind”, “It’s easy to remember”, “Too close for comfort”, “Laura”, “Cheek to cheek” e “The things we did last summer”.
Piano abrasador

Apadrinhado por Oscar Peterson, até hoje sua principal influência, o jamaicano Monty Alexander jamais alcançou a popularidade de Shearing ou Van Damme, nem o devido reconhecimento da crítica esnobe, que torce o nariz para virtuoses indomáveis e tecnicamente bem-dotados, prestando um enorme desserviço ao taxá-los erroneamente de exibicionistas. Uma injustiça que vitimou até o próprio Peterson, um deus do piano, e hoje atravanca a carreira de Michel Camilo, por exemplo. Tal raciocínio equivocado – ou “pensamento torto”, como diria Caetano – foi sempre o maior entrave na trajetória de Monty, cuja caixa “Alexander the great – Monty swings on MPS” deveria servir para mostrar ao distinto público como a crítica rancorosa, preconceituosa e mal-intencionada (sempre motivada por inveja) pode prejudicar a vida de um artista.

Os quatro CDs reúnem 42 faixas instrumentais gravadas por Alexander para a MPS, não incluindo o álbum “Montreux Alexander” (previamente relançado separadamente) nem as faixas vocais do disco “Estade”. Também ficaram de fora as sessões mais chegadas a um clima caribenho que geraram “Rass”, “Cobilimbo” e “Monty Alexander/Ernest Ranglin”. O encarte de 28 páginas traz os textos de contracapa dos LPs originais e uma nova entrevista com Monty, realizada pelo historiador Arnold van Kampen.
Virtuose energizado

Autodidata, nosso herói prefere tocar de ouvido, como Erroll Garner, e confessa não ser capaz de ler partituras complicadas. Nem precisava mesmo. Monty é um fenômeno, um virtuose nato, de performances arrebatadoramente exuberantes, como provou logo de cara em seu disco de estréia na MPS, à qual foi recomendado por Peterson. “Here comes the sun”, registrado em 1971 em NY, sob a produção de Don Schlitten, teve Eugene Wright (baixista consagrado no quarteto de Dave Brubeck), Duffy Jackson (bateria) e Montego Joe (congas) viajando da faixa-título de George Harrison ao clássico “So what”, de Miles Davis, com uma escala na linda balada “Where is love”, de Lionel Bart (não confundir com o hit “Where is the love”, que Ralph MacDonald e Bill Eaton escreveram depois para Roberta Flack).

Mas as performances pegam fogo mesmo nas gravações ao vivo, como em “We’ve only just begun”, que documenta uma apresentação no Monticello, um lounge do motel Rowntowner Motor Inn (!), de Rochester, onde Monty cumpria uma temporada em 1971. Wright permanece no baixo, mas Bobby Durham assume a bateria, atuando também nas sessões de “Perception!” (73). O repertório é sempre eclético, às vezes em excesso, abrigando “Ben” (isso mesmo, o sucesso de Michael Jackson), o meloso tema de “Love story” (Francis Lai), “Shaft” (Isaac Hayes) e uma adaptação do célebre Adágio do “Concierto de Aranjuez” (Joaquin Rodrigo).

Concertos na Alemanha, em 1974 e 76, para uma platéia de convidados na mansão de Brunner-Schwer, geraram os álbuns “Love and sunshine”, “Unlimited love” e “The way it is”, repletos de momentos explosivos, como as energéticas versões do blues “SKJ” (de Milt Jackson) e do bop “Now’s the time” (Parker), além de “Feel like making love” (hit na voz de Roberta Flack), “Chameleon” (Hancock) e o calypso “Alypso”, do próprio Monty, assessorado por Eberhard Weber, Kenny Clare e o guitarrista jamaicano Ernest Ranglin. O baixista John Clayton e o batera Jeff Hamilton, atualmente no grupo de Diana Krall e líderes da Clayton-Hamilton Orchestra, entram em cena nos petardos “People make the world go round”, “Bluesology” e “Soft winds”. Não fica pedra sobre pedra. E Monty ainda tira onda vocalizando “Estate”, a canção italiana incorporada ao repertório jazzístico depois de recriada por João Gilberto. Haja coração!
George Shearing e Art Van Damme estão entre os artistas focalizados

Arnaldo DeSouteiro

Em meio a maior crise na história da indústria fonográfica, o jazz resiste bravamente graças a um público fiel, de alto poder aquisitivo, que não se contenta em comprar músicas pela internet nem acha a menor graça em passar horas fazendo downloads ilegais com a terrível qualidade de som do formato mp3. Apostando neste tipo de consumidor exigente e sofisticado, a Universal coloca no mercado luxuosas caixas apinhadas de preciosos tesouros sonoros: retrospectivas de George Shearing, Art Van Damme e Monty Alexander em suas fases na MPS Records. Todas trazendo detalhados livretos com reproduções das capas originais, fotos raras, textos minuciosos e ficha técnica completa.
Irresistível tentação

A caixa de George Shearing, por exemplo, é uma tentação irresistível para os colecionadores. Batizada “The MPS trio sessions” reúne, em quatro CDs, cinco álbuns completos. Com um significativo detalhe: um deles inteiramente inédito! Todos produzidos na Alemnha (no estúdio da MPS) pelo fundador da empresa, Hans Georg Brunner-Schwer, trazendo o pianista inglês ao lado do baixista dinamarquês Niels-Henning Orsted Pedersen (falecido em 2005, aos 58 anos) e do guitarrista irlandês Louis Stewart; sem bateria, seguindo o formato preferido de Nat “King” Cole. Dispostas em ordem cronológica, as dezenove faixas iniciais foram gravadas em junho de 1977 e divididas em dois LPs. Ambos utilizando temas de Chick Corea como faixas-títulos.

O primeiro, “Windows” (lançado em 78), começa com “Tricotism” (Oscar Pettiford) e termina com o estilizado “Cowboy samba” (de Pedersen), passando por “Tune up”, de Miles Davis. Alcançando o máximo de expressividade emocional nas baladas, Shearing brilha em “Lazy afternoon” (regravada recentemente por Danilo Perez), “Some other spring” e “The Lamp is low”, adaptada da “Pavane” de Ravel. O segundo disco, “500 miles high” (79), que chegou a ser editado em vinil no Brasil, via Copacabana, repete o ecletismo no cardápio: vai de suingados hinos do bebop (“Cheryl”, de Charlie Parker, “Jordu”, de Duke Jordan) às sutilezas de “Here’s that rainy day” e “Invitation”, além do tema-título que se tornou um clássico do estilo fusion ao ser lançado no álbum “Light as a feather”, do Return to Forever.
Requinte e sutileza

Na seqüência, temos sete faixas até então inéditas, preparadas em 1979 para um álbum que chegou a ser batizado “Feeling happy”, mas nunca chegou às lojas e foi agora descoberto pelo produtor Matthias Kunnecke. Destaques: “In your own sweet way” (do meu querido amigo Dave Brubeck), “Alice in wonderland” (coincidentemente também gravada por Brubeck no LP “1975: The duets” com Paul Desmond) e a charmosíssima “The fourth deuce”, do próprio Shearing. Entre as nove músicas do álbum “Getting in the swing of things”, lançado em 1980, figuram “Sweet and lovely”, “Poinciana” (imortalizada por outro estilista incomparável, Ahmad Jamal) e “Sweet Lorraine”.

As últimas nove faixas pertencem ao projeto “On traget”, iniciado em setembro de 79 e completado em novembro de 1980, quando o fabuloso arranjador Robert Farnon, canadense radicado na Inglaterra, adicionou suntuosas orquestrações (a la Claus Ogerman) a temas como “Portrait of Jennie”, “Last night when we were young”, “This is all I ask” e “A nightingale sang in Berkeley Square”. Um dos melhores e mais sofisticados álbuns na carreira de Sir George Shearing, cujo ápice de popularidade ocorreu nos anos 50, com o estouro comercial de seu quinteto.
Sonoridade inconfundível

Outro mestre a se firmar naquela mesma década, com uma sonoridade igualmente inconfundível que descobri na infância, na coleção de LPs de 10 polegadas de meu pai, Art Van Damme também gravou posteriormente para a MPS. Os cinco CDs da caixa “Swinging the accordion on MPS” recuperam nada menos que dez álbuns captados entre 1966 e 1970, totalizando 119 faixas. O maior acordeonista na história do jazz – ainda hoje em plena atividade, assim como Shearing – se esbalda em “That old black magic”, “Robbins nest”, “Topsy” e “Tangerine”, alguns dos temas escolhidos para “Art Van Damme in San Francisco”, seu disco de estréia na companhia, gravado na Califórnia. Todos os álbuns seguintes, porém, foram registrados na Alemanha, a começar por “Ecstasy”, mantendo a formação de quinteto.

Van Damme levou seu guitarrista Freddy Rundquist (sueco radicado nos EUA) e eles se entrosaram perfeitamente com o vibrafonista Heribert Thusek, o baixista Peter Witte e o excepcional batera suíço Charly Antolini, que participaram de cinco discos. Vale a pena observar tal encaixe em faixas como “It could happen to you”, “Autumn in New York”, “Cute” (do recém-falecido Neal Hefti), “Speak low”, “I got rhythm”, “Cherokee”, “Watch what happens” e a bossa extemporânea “Wave”, de Tom Jobim. Aliás, vale frisar que Art Van Damme foi o responsável pela febre do acordeon que tomou conta do Brasil nos anos 50, inspirando dezenas de futuros bossanovistas (inclusive Marcos Valle, Edu Lobo e Eumir Deodato) a estudar o instrumento nas academias de Mario Mascarenhas.
Saxes & flautas

Nas doze faixas de “Art and four brothers” (69), um quarteto de saxofones foi adicionado a partir da inspiração do histórico tema “Four brothers”, escrito por Jimmy Giuffre, em 1947, para a banda de Woody Herman. Mas o cardápio não se limitou àquele período, oscilando entre o pop rasteiro de “Sunny” e da xaroposa “Love is blue”, o jazz refinado de “Snowfall” e “Lush life”, e até “O Barquinho” de Menescal. No projeto seguinte, “Squeezing Art & tender flutes”, os saxes foram trocados por um quarteto de flautas, e o repertório recuperou a compostura, com bonitos arranjos de Christian Schmitz-Steinberg para temas de Mancini (“Cheers”), Ogerman (“How will I forget”), Berlin (“The best thing for you”), Gershwin (“A foggy day”) e Harry Warren (“I only have eyes for you”).

Por fim, os discos “Keep going” e “Blue world”, frutos de quatro sessões em 1970, contaram com o baixista Eberhard Weber, o batera Kenny Clare, o vibrafonista Heribert Thusek e o genial guitarrista Joe Pass, levado à Alemanha por Van Damme, para surpresa e deleite dos dirigentes da MPS. Na prática, o resultado desta união pode ser avaliado em 24 faixas. Entre elas, “Tenderly”, “Gone with the wind”, “It’s easy to remember”, “Too close for comfort”, “Laura”, “Cheek to cheek” e “The things we did last summer”.
Piano abrasador

Apadrinhado por Oscar Peterson, até hoje sua principal influência, o jamaicano Monty Alexander jamais alcançou a popularidade de Shearing ou Van Damme, nem o devido reconhecimento da crítica esnobe, que torce o nariz para virtuoses indomáveis e tecnicamente bem-dotados, prestando um enorme desserviço ao taxá-los erroneamente de exibicionistas. Uma injustiça que vitimou até o próprio Peterson, um deus do piano, e hoje atravanca a carreira de Michel Camilo, por exemplo. Tal raciocínio equivocado – ou “pensamento torto”, como diria Caetano – foi sempre o maior entrave na trajetória de Monty, cuja caixa “Alexander the great – Monty swings on MPS” deveria servir para mostrar ao distinto público como a crítica rancorosa, preconceituosa e mal-intencionada (sempre motivada por inveja) pode prejudicar a vida de um artista.

Os quatro CDs reúnem 42 faixas instrumentais gravadas por Alexander para a MPS, não incluindo o álbum “Montreux Alexander” (previamente relançado separadamente) nem as faixas vocais do disco “Estade”. Também ficaram de fora as sessões mais chegadas a um clima caribenho que geraram “Rass”, “Cobilimbo” e “Monty Alexander/Ernest Ranglin”. O encarte de 28 páginas traz os textos de contracapa dos LPs originais e uma nova entrevista com Monty, realizada pelo historiador Arnold van Kampen.
Virtuose energizado

Autodidata, nosso herói prefere tocar de ouvido, como Erroll Garner, e confessa não ser capaz de ler partituras complicadas. Nem precisava mesmo. Monty é um fenômeno, um virtuose nato, de performances arrebatadoramente exuberantes, como provou logo de cara em seu disco de estréia na MPS, à qual foi recomendado por Peterson. “Here comes the sun”, registrado em 1971 em NY, sob a produção de Don Schlitten, teve Eugene Wright (baixista consagrado no quarteto de Dave Brubeck), Duffy Jackson (bateria) e Montego Joe (congas) viajando da faixa-título de George Harrison ao clássico “So what”, de Miles Davis, com uma escala na linda balada “Where is love”, de Lionel Bart (não confundir com o hit “Where is the love”, que Ralph MacDonald e Bill Eaton escreveram depois para Roberta Flack).

Mas as performances pegam fogo mesmo nas gravações ao vivo, como em “We’ve only just begun”, que documenta uma apresentação no Monticello, um lounge do motel Rowntowner Motor Inn (!), de Rochester, onde Monty cumpria uma temporada em 1971. Wright permanece no baixo, mas Bobby Durham assume a bateria, atuando também nas sessões de “Perception!” (73). O repertório é sempre eclético, às vezes em excesso, abrigando “Ben” (isso mesmo, o sucesso de Michael Jackson), o meloso tema de “Love story” (Francis Lai), “Shaft” (Isaac Hayes) e uma adaptação do célebre Adágio do “Concierto de Aranjuez” (Joaquin Rodrigo).

Concertos na Alemanha, em 1974 e 76, para uma platéia de convidados na mansão de Brunner-Schwer, geraram os álbuns “Love and sunshine”, “Unlimited love” e “The way it is”, repletos de momentos explosivos, como as energéticas versões do blues “SKJ” (de Milt Jackson) e do bop “Now’s the time” (Parker), além de “Feel like making love” (hit na voz de Roberta Flack), “Chameleon” (Hancock) e o calypso “Alypso”, do próprio Monty, assessorado por Eberhard Weber, Kenny Clare e o guitarrista jamaicano Ernest Ranglin. O baixista John Clayton e o batera Jeff Hamilton, atualmente no grupo de Diana Krall e líderes da Clayton-Hamilton Orchestra, entram em cena nos petardos “People make the world go round”, “Bluesology” e “Soft winds”. Não fica pedra sobre pedra. E Monty ainda tira onda vocalizando “Estate”, a canção italiana incorporada ao repertório jazzístico depois de recriada por João Gilberto. Haja coração!

Da Tribuna da Imprensa

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